segunda-feira, 30 de abril de 2012

Primeiro ato



O lençol escuro, aos poucos, vai cobrindo a grande cama.
As luzes do extenso palco, uma a uma, vão sendo acessas.
Camarins e igrejas improvisadas surgem das esquinas mais ermas.
Os sinais sonoros dos motores excitados anunciam o início do primeiro ato.
Abrem-se como cortinas e acomodam-se em qualquer tablado.
Morenas que se fazem de Marias, loiras que viram Joanas.
Com a bolsa à tira colo e um cigarro na mão direita
Choram, riem, bebem da bebida amarga.
Encenam e vendem seus mais maculados mistérios
Para uma tórrida platéia afoita por veleidade.
Atrizes circenses que se equilibram no picadeiro
E em altas plataformas.
Atrizes do asfalto que sobre o meio fio
Fazem vidas e a vida e aguardam ansiosas
Pelo início do segundo ato.

sábado, 14 de abril de 2012

Moinhos d'alma



No ritmo fugidio
Da oscilação compulsiva
Entre o ter sido e o vir a ser,
Os moinhos d’alma,
Algozes dos férteis pastos,
Arrancam da memória sementes ingratas
Olvidadas nos recôndidos
Do hiato que aparta
O utópico do real
E silenciosamente
Moem e trituram angustias e frustrações.
Por veredas estreitas,
Lúdicas venturas e idílios amorosos,
Rebentos do vazio,
Convergem-se e convertem-se
Em reminiscências dolentes de episódios sublimes
Que por um ensejo ou outro
Não advieram e fatidicamente
Em Se, vieram a fenecer
E desde então impulsionam
Atrozmente as lâminas afiadas
Dos moinhos d’alma
Que disfarçados de joguetes ingênuos
Moem e trituram angústias e frustrações.